Como pesquisadores, geralmente acreditamos que a qualidade das respostas que recebemos está ligada à nossa habilidade de fazer perguntas adequadas para as pessoas certas. Mas, o que aconteceria se as respostas não viessem mais de humanos, mas sim de uma inteligência artificial?
Esse novo cenário é viabilizado pelo avanço das pesquisas com usuários sintéticos, que estão na vanguarda da aplicação de Inteligência Artificial em processos de design. Com essa revolução, surgem diversas questões metodológicas e, até mesmo, filosóficas.
Mas não se preocupe, esse não é mais um texto sobre Inteligência Artificial e sua capacidade ou não de simular empatia.
Aqui, vamos além do óbvio, sem a pretensão de oferecer respostas definitivas. A intenção é compartilhar insights valiosos para estimular a reflexão.
Ao final da leitura, você vai ter passado pelos tópicos:
- Entendimento do que é um usuário sintético
- Limitações deste tipo de pesquisa
- Potencialidades para uma aplicação pertinente
Vamos lá?
Antes de mais nada, é um conceito novo e em disputa – o que resulta em várias interpretações possíveis.
Dito isso, nesse texto, entendemos usuários sintéticos como clusters de comportamentos gerados pela combinação e análise de uma massa de dados a partir de um LLM (Large Language Model). Mas para simplificar o entendimento, podemos imaginar avatares inteligentes, simulando interações com os usuários reais.
Os usuários sintéticos atuam como exploradores digitais, assumindo o papel de guias virtuais que proporcionam valiosas percepções sobre o comportamento dos usuários, mesmo que em um ambiente simulado.
Seu processo de construção é similar ao processo de elaboração de uma persona. Normalmente, nós pesquisadores coletamos dados de diferentes usuários, entendemos um comportamento médio. A partir daí, construímos uma narrativa para possibilitar a operacionalização de uma massa de informações criando simplificações –– que facilitam a conversa entre o time, análise e, por fim, geração de valor.
Mas, diferentemente de personas tradicionais elaboradas por pesquisadores ou designers, um usuário sintético é uma entidade gerada artificialmente, muitas vezes por meio de inteligência artificial ou simulação computacional. São programados a partir de blogs públicos, mídias sociais, fóruns, pesquisas científicas, entre outros, para espelhar comportamentos, preferências e padrões de uso semelhantes aos de usuários reais.
Para ilustrar melhor, uma pequena história de horror: você já esteve em uma apresentação de projeto em que ao mostrar a persona para o cliente, ele se lembrou de um dado importante que precisava ser mapeado mas não foi incluído no briefing?
Pode ser que nesse momento sua cabeça imediatamente já tenha começado a pensar na dificuldade de contactar todos os participantes outra vez para fazer essa pergunta adicional.
No mundo real, é muito difícil encontrar uma única pessoa que represente o comportamento médio de todos os usuários para fazer essa pergunta adicional apenas uma vez com grande confiança na resposta.
Os usuários sintéticos, por outro lado, não apenas possibilitam a criação dessa persona, mas também oferecem a oportunidade de dialogar com ela, permitindo uma exploração mais aprofundada dos insights.
Imagine algo semelhante a entrevistar o Chat GPT, mas uma versão específica que age conforme a persona criada, respeitando idade, gênero, história de vida, classe econômica e aspectos culturais definidos.
Isso permite que o usuário sintético seja, em suma, uma narrativa criada a partir de uma enorme massa de dados. E um dos grandes valores que entregam é que, a partir do momento em que estão criados, é possível estabelecer uma conversa infinita com eles.
Agora, quando falamos sobre a natureza da pesquisa com usuários sintéticos, estamos rompendo barreiras. É uma abordagem híbrida: nem qualitativa, nem quantitativa. Podemos alimentar o modelo a partir de dados duros, mas também exploramos as nuances e a qualidade das experiências em um nível mais qualitativo.
Tradicionalmente, a pesquisa qualitativa, caracterizada por entrevistas, grupos focais e estudos de caso, era comumente considerada intensiva em mão de obra, custosa e demorada. Requer um grande investimento de tempo e profissionais qualificados para garantir que vamos encontrar as pessoas certas para conversar, e depois, que vamos conduzir as conversas de maneira a reduzir vieses e extrair o máximo de valor.
Por outro lado, a pesquisa quantitativa, como a realizada através de questionários, é vista como mais escalável, mas por vezes carente de profundidade. Com ela, conseguimos identificar o “o quê” as pessoas fazem, pensam, desejam. Mas é muito difícil mapear o “porquê”, ou seja, a motivação por trás dos comportamentos.
Por isso, essas duas abordagens costumam andar de mãos dadas.
Com os avanços da Inteligência Artificial, entretanto, estamos suavizando os limites entre a pesquisa qualitativa e a quantitativa, abrindo novas possibilidades para coleta e interpretação de dados. Usando usuários sintéticos, realizar 10 entrevistas ou disparar 5.000 questionários para avaliar a atratividade de um produto agora pode exigir aproximadamente o mesmo esforço.
Com os usuários sintéticos, ao que parece, estamos adentrando em uma terceira margem do rio – há muito ainda que descobrir e refletir.
Sim, assim como em qualquer pesquisa, vieses aqui são inevitáveis.
Nós, pesquisadores, estamos sempre preocupados com os vieses. Tentamos os reduzir ao máximo mas sabemos que, por mais que nos esforçamos em criar um ambiente neutro, é impossível conseguir um resultado completamente livre de vieses. Mais importante do que evitá-los é saber que eles existem e quais são eles.
A própria presença do pesquisador, por si só, influencia o ambiente – e não há relação humana sem esse tipo de troca.
Por exemplo, um participante pode fornecer respostas que acredita que o pesquisador deseja ouvir (viés de desejo social). Às vezes, as expectativas do pesquisador podem influenciar sutilmente o comportamento dos participantes, levando a resultados que se alinham às crenças do pesquisador.
Usuários sintéticos, por sua vez, não possuem esse tipo de viés humano, mas podem refletir os vieses presentes nos dados de treinamento das bases de dados ou na forma como são utilizados. É importantíssimo deixar claro que modelos de linguagem baseados em treinamento prévio com base em dados disponíveis em toda a internet não são representativos de pessoas reais. Eles têm uma distribuição geográfica, distribuição de gênero (a internet tem uma inclinação masculina) e um status socioeconômico diferente, o que muitos denominam como viés digital.
Qualquer ferramenta, independentemente de quão avançada, precisa de avaliação e refinamento regulares para garantir que atenda ao seu propósito pretendido sem introduzir vieses não intencionais.
Se sua pesquisa é focada em países, classes econômicas, ou faixas etárias com menor grau acesso a internet, por exemplo, pode ser que você tenha dificuldade de obter massas de dados suficientemente abrangentes e confiáveis para criar usuários sintéticos com segurança.
Lembre-se: os usuários sintéticos são criados com base na combinação de dados disponíveis, e por isso, são confiáveis na medida em que há confiança nessa base de dados e na maneira com que foram analisados. Disclaimers são sempre bem-vindos.
A condução de pesquisas com usuários sintéticos apresenta limitações imagéticas, uma vez que estamos restritos a modelos linguísticos. Ou seja, um conjunto de dados textuais.
Se você já realizou uma dinâmica de card sorting ou entrevistas presenciais, provavelmente percebeu que é possível mapear aspectos que transcendem o texto. Somos capazes de interpretar microexpressões faciais e entonações, aspectos cruciais que fazem toda a diferença na compreensão e aprimoramento da experiência do usuário.
A comunicação humana vai além das palavras.
Perdemos nuances emocionais e detalhes sutis que seriam perceptíveis em interações humanas –– a riqueza de detalhes sutis, das expressões faciais e entonações, por exemplo. É como tentar pintar um quadro só com palavras, perdendo um pouco da magia da imagem.
A interpretação fica limitada a partir do momento em que a linguagem escrita não consegue capturar completamente a gama de emoções e reações humanas.
Falando em detalhes, um pequeno comentário sobre a natureza das entrevistas: elas definitivamente não são como entrevistas com pessoas reais. Você perceberá que as respostas são mais densas, há menos conversa fiada e hesitações, e menos tempo de espera.
É uma conversa com menos onomatopéias. Usuários sintéticos não param para pensar, tomam um gole de água, dizem “huns” e “ihs”. As entrevistas com usuários sintéticos são como um café espresso, concentradas e eficientes.
Por isso mesmo, elas acabam por acelerar o entendimento da desejabilidade e usabilidade, proporcionando insights rápidos para o desenvolvimento de produtos.
Conseguimos identificar o óbvio mais rápido. Isso pode se traduzir em uma aceleração do tempo de lançamento da ideia no mercado. No estágio atual de desenvolvimento, com certa ressalva, os usuários sintéticos podem contribuir especialmente no mapeamento da desejabilidade e usabilidade de forma mais ágil, dando um impulso no desenvolvimento de produtos.
A capacidade dos usuários sintéticos de processar rapidamente grandes volumes de dados e fornecer feedback significa que as empresas podem iterar designs, campanhas ou estratégias com mais rapidez, respondendo de forma mais ágil às demandas do mercado.
Nesse sentido, oferecer os usuários sintéticos um assento à mesa de ideação pode ser uma ideia interessante de conduzir uma sessão de criação, por exemplo. É uma maneira mais rápida de criar uma narrativa com base em dados coletados pela empresa ou de domínio público, que seja mais acessível e ajude no processo de geração de ideias.
É interessante lembrar aqui da perspectiva de Nielsen, que observou que a partir de aproximadamente cinco usuários, os dados coletados em pesquisas começam a apresentar repetições significativas.
Seguindo essa linha de raciocínio, Kwame Ferreira destaca a capacidade dos usuários sintéticos de fornecer, de maneira eficiente, os 80% óbvios que comumente surgem nas fases iniciais das pesquisas. Ao abordar esses aspectos previsíveis e já conhecidos, possibilitam que os designers concentrem seus esforços nos 20% restantes, onde residem as oportunidades de inovações disruptivas.
A ideia é que, ao passar mais rápido pela fase de redundância nos estágios iniciais da pesquisa, os designers podem direcionar sua criatividade e recursos para explorar novas perspectivas, ideias e soluções mais impactantes.
Essa abordagem permite uma alocação mais eficiente de recursos e tempo, promovendo a maximização do potencial criativo das equipes de design. Ao otimizar o processo de coleta de dados, os usuários sintéticos se revelam como aliados valiosos para impulsionar a inovação e promover avanços significativos nos produtos e serviços desenvolvidos.
Mas claro, nunca substituindo completamente os usuários. É importante evoluir e refinar os usuários sintéticos para torná-los tão próximos da pesquisa orgânica quanto possível, mas sempre fazendo comparações entre ambos.
Em uma pesquisa inteligente, os usuários sintéticos não vêm como uma substituição, mas como uma ferramenta e recurso a mais.
Independente da tecnologia, o mais importante ainda é a habilidade de fazer as perguntas certas. O segredo é explorar o possível adjacente. As perguntas que você faz estão diretamente correlacionadas às respostas que você recebe. É o mesmo com os usuários sintéticos e orgânicos.
Espero que essa síntese da nossa conversa tenha despertado sua curiosidade sobre o futuro da pesquisa em design. Continuem explorando e questionando, pois é nesse processo que encontramos as respostas mais valiosas.
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